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Hilel e Shamai receberam (ensinamento)
deles. Hilel diz: Sê dos discípulos de Aarão, ama a paz e busca a paz, ama as
criaturas e aproxima-as da Torá.
Hilel podia dizer isto, pois era a perfeita encarnação de seu próprio
ensinamento de amar a paz e a humanidade. Vejamos duas histórias notáveis a
este respeito, registradas no Talmud:
Certa vez, dois homens apostaram que aquele que fizesse Hilel perder a
paciência, receberia 400 zuzim do outro. Era sexta-feira à tarde e Hilel
estava tomando banho. Um dos homens passou à sua porta, gritando: "Onde
está Hilel? Onde está Hilel?" Hilel se envolveu num manto e saiu,
perguntando o que ele queria. O homem disse: "Tenho uma pergunta para lhe
fazer: Por que os babilônios têm a cabeça redonda?" "Esta é uma
pergunta profunda" – respondeu Hilel. "É porque suas parteiras não
são suficientemente treinadas".
O homem se foi e regressou mais tarde. Novamente, gritou: "Onde está Hilel?
Onde está Hilel?" Hilel apareceu, novamente envolvido num manto. A
pergunta desta vez era: "Por que as pessoas de Tadmor (habitantes de
Palmira) têm olhos oblíquos?" "Esta também é uma pergunta
profunda" – disse Hilel. "É porque eles vivem numa terra arenosa e as
estreitas ranhuras que as pálpebras formam evitam que a areia entre em seus
olhos."
O homem partiu novamente, mas voltou logo. Desta vez, a pergunta era:
"Porque os pés dos africanos são tão largos?" "Esta também é uma
pergunta profunda" – respondeu Hilel. "É porque eles vivem em terras
pantanosas." (Sendo largos, seus pés não afundam tão facilmente). O homem
disse: "Tenho muitas outras perguntas ainda para fazer, mas tenho medo de
que o senhor fique bravo." Hilel enrolou-se melhor em sua capa, sentou-se
e disse a ele para fazer todas as perguntas que desejasse.
O homem então disse: "Você é Hilel, a quem chamam de Príncipe de
Israel?" "Sim" – respondeu Hilel. "Se é assim, que não haja
mais pessoas como você em Israel!" Hilel disse: "Mas por que, meu
filho?" O homem contou sobre a aposta e disse: "Por sua causa eu
perdi 400 zuzim!" Hilel retrucou: "É melhor você perder 400 zuzim
e mais 400 zuzim ainda, do que Hilel perder sua paciência!"79
A outra estória conta que Hilel estava caminhando e ouviu um grito de dor.
Ele disse: "Tenho bem certeza de que isto não está vindo de minha
casa."80 Hilel não rezou "que não seja da minha
casa". Simplesmente estava seguro de que este grito não provinha de sua
casa. Ele sabia que ninguém em seu lar se assustaria tanto ou se entregaria a
tamanho desespero, não importa o que houvesse ocorrido, pois esta era a forma
como ele conduzia os assuntos na sua casa. Os rabinos explicam: A respeito de
homens como Hilel, o rei David escreveu: "Não temerás as más notícias, pois
teu coração é firme e confias no Eterno."81 Por ele confiar no
Eterno, nunca temia o futuro.
Aarão, o sumo-sacerdote, não somente amava a paz, mas a perseguia
ativamente, criando-a onde antes não existia. Por exemplo, se Rubem e Simão não
estavam se falando, ele ia até Rubem e dizia: – "Você sabe, eu encontrei
com Simão na outra noite e ele gostaria de fazer as pazes, mas tem medo de que
você não aceite a sua mão estendida em amizade."
Tendo plantado uma semente, Aarão ia até Simão e contava-lhe a mesma
história a respeito de Rubem.
No dia seguinte, quando Rubem e Simão se encontravam, cada um deles
simultaneamente oferecia sua mão em amizade, e eis que a paz era obtida. 81a
Há muitos que amam a paz, mas quantos são discípulos verdadeiros de Aarão,
querendo fazer tais esforços a favor dela?
Ama as criaturas e aproxima-as
da Torá
Com Aarão, isto também era refletido nas relações humanas concretas. Se, por
exemplo, ele sabia que um Israelita não estava observando completamente o Shabat,
Aarão fazia amizade com ele e o visitava com frequência. Logo, o homem iria
dizer para si mesmo: "Se uma grande personalidade como Aarão, o sumo
sacerdote, é meu amigo, como posso violar o Shabat?" Por pura
vergonha e consideração por seu amigo, o homem acaba se arrependendo e mudando
seu modo de agir. 81a Este era o modo de agir de Aarão – com amor.
Ele não pregava. Ele não condenava. Aarão apenas envolvia as pessoas com seu
amor e amizade. Em resposta ao calor de sua personalidade, as pessoas se
aproximavam da Torá.
Não podemos todos nos tornar Aarões. Mas pelo menos, nos insta Hilel,
tornemo-nos discípulos de Aarão. Tentemos aprender seus caminhos e
imitar sua abordagem.
Obviamente, Aarão conseguia fazer as pazes entre os outros porque estava em
paz consigo mesmo. Dentro dele não havia a inveja, a ambição mesquinha ou
presunção inflada que leva os outros ao descontentamento eterno e luta
interior.
Aarão era mais velho do que seu irmão, Moisés. Durante os anos de servidão
no Egito, Aarão havia sido o líder e profeta de seu povo. Seria de se esperar
que ele recebesse com ciúmes e ressentimento a escolha de Moisés como redentor
e libertador. Mas o Todo-Poderoso disse a Moisés: "E te verá e se alegrará
em seu coração."82 Aarão amava a humanidade, da qual seu irmão
mais jovem fazia parte, e também o seu povo. Aarão estava em paz consigo mesmo
e, consequentemente, com o mundo.
A obtenção desta paz interior e serenidade permanente não é fácil. Existe
muita gente que se perturba pelas coisas mais insignificantes: o sucesso dos
outros, um revés nos negócios, uma previsão de mau tempo. Tudo isto pode ser
perturbador, se permitirmos que se converta em algo demasiadamente importante
ou significativo. Uma vez que centremos nossa atenção nas coisas realmente
transcendentes da vida – nossa relação com Deus e sua Torá – todo o
restante se torna relativo e passa a segundo plano.
Logremos, primeiro, que o "amor pela paz" faça parte de nosso
caráter; em seguida, poderemos converter-nos em "perseguidores da
paz" no mundo.
Uma emoção forte é uma experiência marcante e que se apodera da pessoa
inteira. Está além de toda a lógica e interesses materiais.
Este é o motivo pelo qual as mais importantes categorias religiosas do Judaísmo
estão representadas como emoções – amor a Deus e temor reverente ao Céu. A
verdadeira religião, os grandes imperativos éticos, nunca serão alcançados
através da lógica fria e da razão mesquinha.
Analisemos a seguinte máxima: "A honestidade é a melhor política".
Como podemos reduzir a honestidade a uma "política"? A política tem
seu lugar nos negócios. Pode ser uma política estender o crédito por trinta ou
sessenta dias ou receber vendedores somente em certos horários durante a
semana. Mas uma obrigação ética não pode ser uma simples "política".
A honestidade constitui um valor por si mesma. Pelo mesmo raciocínio, a paz não
é apenas uma política. A paz, shalom, é um atributo Divino, um Nome de
Deus. Você precisa, antes de mais nada, ser um "amante da paz". Tem
de amar com todo seu coração, com todo o seu ser; somente então tornar-se-á um
"perseguidor da paz."
O Chassídico Rabi de Vishnitz pergunta: De que tipo de pessoas nossa Mishná
está falando? Claramente, aquelas que estão afastadas da Torá e a quem
desejamos trazer para mais perto da mesma. Em outras palavras, Hilel nos conta
que Aarão amava o transgressor, o ignorante, e o não observante, além do
erudito, do sábio e do santo.
O Rabino Kook foi indagado certa vez por que era tão amistoso com pessoas
não observantes. Ele respondeu, com seu modo característico: – "Prefiro
ser culpado de ahavat chinam, amor imerecido, do que de sinat chinam,
ódio imerecido." A tradição nos diz que o Templo foi destruído e Israel
exilado por causa da sinat chinam.83 O povo Judeu se dividiu
em uma imensidão de seitas e partidos em disputa. A divisão das mentes levou a
uma divisão de corações e a discordância, ao ódio.
Em nosso retorno a Sião hoje em dia, o Judaísmo mais uma vez está dividido.
Há os partidos religiosos, o Avodá, o Mapam e muitos outros. Mas, se desejarmos
reconstruir o Estado Judeu, deverá ser sobre alicerces mais firmes do que os
daquele que desabou. Devemos nos assegurar de que não haverá mais exílio.
Devermos redimir sinat chinam com ahavat chinam, ódio imerecido
com amor imerecido, ódio irracional com amor ilimitado.
Você deve amar seu semelhante quer ele esteja de acordo com você ou não,
seja ele observante ou não, simplesmente porque ele é um ser humano. Discordar,
talvez, mas odiar, jamais!
Como Aarão demonstrou, reconstruir a auto-estima de uma pessoa, tratando-a
como um ser justo, pode às vezes fazer com que se converta em uma pessoa reta.
Lemos: "Não repreendas o escarnecedor, para que não te aborreça; corrige
ao homem sábio e te amará".84 Meu pai, de abençoada memória,
citou certa vez o Malbim, dizendo que o verbo ocheach
("repreender") deve ser seguido pelo prefixo preposicional le,
como acontece na segunda parte do versículo, hochach lechacham
("repreende ao sábio"). Por que, perguntou, falta então na primeira
parte, ao tochach lets ("não repreendas ao escarnecedor"?).
Não deveria estar escrito lelets?
Meu pai explicou: o prefixo le significa literalmente
"para" ou "em direção a"; quando ele vem depois do verbo hocheach,
ele significa uma meta, um produto final que a reprovação procura obter. Então,
a passagem deve ser interpretada: Não repreenda alguém em seu caráter de
escarnecedor. Para que não o odeie; repreenda-o, em vez disto, considerando o
mesmo indivíduo como "um homem sábio" e ele irá amá-lo. Se você o
rotular de "escarnecedor" e repreendê-lo como tal, ele
indubitavelmente fará jus à designação. Enxergue-o como um "homem
sábio", porém, e diga-lhe: "Como uma pessoa decente como você pode
tornar-se alguém assim?" Veja o potencial para ser um "homem
sábio" que nele existe e ele poderá ficar tentado a desempenhar o papel
que lhe foi atribuído.
Nós geralmente traduzimos as palavras rodef shalom, da Mishná
como "perseguir a paz." Mas o verbo rodef é frequentemente
compreendido como denotando a perseguição com o objetivo de destruir; em outras
palavras, perseguição. Neste sentido, então, a passagem significaria: "ama
e persegue a paz". No entanto, isto não é nada paradoxal. Com frequência,
aqueles que amam a paz podem, por amor à Torá, precisar romper a paz
temporariamente. Quando um dos líderes de Israel desafiou Moisés e profanou
publicamente o Nome de Deus ao cometer uma grande imoralidade, Pinchás (Finéias),
um neto de Aarão, destruiu os perversos. Ele certamente não manteve a paz no
sentido convencional. Ele cometeu atos de violência e derramou sangue. Pinchás
não hesitou em romper a "paz" de compromisso e se recusou a tolerar o
mal. Contudo, o Todo-Poderoso recompensou Pinchas: "Eis que lhe dou
a Minha aliança de paz."85
Sem qualquer hesitação, Pinchás destruiu uma paz superficial e irreal
para obter uma paz genuína: um relacionamento harmonioso entre Deus e Israel.
Esta foi uma "guerra para acabar com a guerra." Encontramos ocasiões
como esta na vida e na história. Devemos rezar ao Todo-Poderoso que nos dê a
sabedoria para reconhecer e julgar estas ocasiões corretamente!
O finado Rabino Shemuel Greineman fez certa vez uma observação correta:
"Todos estes ensinamentos – ama a paz e busca a paz, ama as criaturas –
não são ensinados isoladamente, mas tem uma meta comum: aproximar as pessoas da
Torá. Elas devem ser consideradas apenas como instrumentos para
aprofundar a apreciação das pessoas pelas palavras de Deus. Assim como um
frasco de remédio pode conter as instruções "Agite antes de usar", de
modo que todos os ingredientes se misturem, estes diferentes ideais devem
também, ser misturados com a finalidade fundamental de levar a Torá ao
coração de cada um.
79. T.B. Shabat 31a.
80. T. B. Berachot 69a.
81 Salmos 112:7
81a. Avot deRabi Natan, A12, B24.
82. Êxodo 4:14; como interpretado em Tanchumá Buber, Êxodo 24.
83. Tosefta, Menachót 13, 22; Iomá 9b; Calá 8 (ed. Higger 5, I); T. J. Iomá 1,1.
84. Provérbios 9:8
85. Números 25:12.
[Agradecimentos a Editora e Livraria Sêfer por essa contribuição valorosa para os
leitores do Jornal Mitsvá. Obrigado!]
Texto
extraído mediante autorização por escrito do livro “A Ética do Sinai”, de Irving M. Bunim, publicado pela Editora e
Livraria Sêfer (1998) e disponível no site www.sefer.com.br
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